A unicidade da vida e da morte
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A unicidade da vida e da morte

Aos olhos dos mortais comuns, a vida se inicia com o nascimento e termina com a morte. O budismo, contudo, vai além dessa limitação

Com base no discurso do presidente Ikeda adaptado de uma preleção sobre o escrito de Nichiren Daishonin A Herança da Suprema Lei da Vida, publicada no jornal Seikyo Shimbun, em abril de 1977; Discurso do presidente Ikeda adaptado do diálogo A Sabedoria do Sutra do Lótus, v. 4, publicado em japonês em dezembro de 1998.


Nascimento e morte são diferentes aspectos da vida. A vida só se manifesta mediante o ciclo de nascimento e morte.


Aos olhos dos mortais comuns, a vida se inicia com o nascimento e termina com a morte. O discernimento budista, contudo, vai além dessa limitação e evidencia a essência da vida como um todo, manifestando-se ativamente como nascimento e persistindo de forma dormente como morte.


Nessa acepção, como o budismo vê esses dois aspectos da vida e morte?

O capítulo “Duração da Vida” (16º) do Sutra do Lótus faz alusão a “refluxo” e “fluxo”. “Refluxo” refere-se à morte e “fluxo”, à vida. Com base na perspectiva da eternidade da vida, o capítulo “Duração da Vida” afirma que a vida em si não desaparece nem aparece, não passa por nascimento nem pela morte.


No escrito Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente, Nichiren Daishonin revela uma visão de vida ainda mais profunda, como a “natureza originalmente inerente do nascimento e morte”.


Segundo esse princípio, estar vivo é o estado no qual nossa vida manifesta-se ativamente, e a morte é o estado no qual ela retorna à condição latente ou potencial. Essa é a verdadeira natureza da vida.


O ensinamento supremo do budismo, que concebe o “estar vivo” como um estado ativo e a morte como um estado latente, fornece uma visão profunda e magnífica da eternidade da vida.


Além disso, elucida a unicidade da vida e da morte. A vida é ativada por uma força subjacente maravilhosa. Quando em seu estado latente, entra em contato com as causas e condições apropriadas, torna-se manifesta e assume a forma de um ser vivo dinâmico detentor de rica individualidade. Depois, essa vida flui e caminha serenamente para a morte. Mas, ao entrar em sua fase potencial latente, armazena uma nova energia, aguardando a nova fase de vida que se seguirá.


A vida é uma explosão e combustão de energia armazenada que se encontrava em estado de repouso. Por fim, essa vida encerra sua história e retorna para a morte. Funde-se com o universo, é recarregada pela energia da vida do universo como um todo e espera seu próximo surgimento como uma vida ativa.


Essa é a natureza da vida e da morte inerente a tudo, e o Nam-myoho-renge-kyo compõe a base desse ritmo intrínseco do universo.


Como devemos considerar a morte?

O presidente Ikeda explica que, em vez de ignorar ou negar a morte, precisamos perceber corretamente a verdadeira natureza da existência, a questão fundamental na vida, e compreender que a consciência acerca das profundas implicações da morte, na realidade, nos dá a oportunidade de viver de maneira significativa.


Todos nós sabemos que vamos morrer um dia. Agarramo-nos, porém, à ideia do “um dia”, esperando que seja bem longe no futuro. Os jovens naturalmente tentam deixar de lado o pensamento sobre a morte, pois isso se dá mais com os mais velhos, e talvez se intensifique à medida que envelhecemos.


A realidade da vida, contudo, é que ela pode chegar ao fim a qualquer momento. A possibilidade da morte está sempre presente – seja por meio de um terremoto, um acidente ou uma doença repentina. Nós simplesmente optamos por nos esquecer disso.


Alguém certa vez observou: “A morte não fica esperando à nossa frente; ela vem sorrateiramente nos apanhar por trás”.


A morte confere um significado maior à vida

Enquanto ficamos procrastinando, dizendo a nós mesmos: “Vou me esforçar com afinco um dia” ou “Empreenderei mais esforços depois de terminar de fazer isto”, nossa vida passa e, antes que nos apercebamos, enfrentaremos a morte sem ter conquistado nada, sem ter acumulado algum tesouro interior realmente profundo na vida. Muitas pessoas vivem desse modo. Quando chega o momento final, é tarde demais para arrependimentos.


Pensando bem, quer a morte o aguarde daqui a três dias, três anos ou três décadas, a realidade é essencialmente a mesma. Por isso é tão importante viver de forma plena neste exato instante, de modo que não tenha nenhum arrependimento se vier a morrer a qualquer momento.


Na perspectiva da eternidade, até mesmo um século não passa de um instante. É uma verdade genuína, como afirma Daishonin, o fato de que “este é o último momento de sua vida”. O presidente Josei Toda também dizia: “Na verdade, praticamos o budismo para o momento de nossa morte”.


Nenhuma certeza é maior do que a morte. Por esse motivo, é vital que assumamos para nós a tarefa de acumular os tesouros do coração que perdurarão pela eternidade. A maioria das pessoas, contudo, protela esta que é a mais primordial de todas as tarefas, ou a posterga para algum dia no futuro.


Não há nada tão importante quanto aquilo que o budismo denomina de “a grande questão da vida e da morte”. Comparado a esse tema crucial, todo o resto é secundário – fato que se torna profusamente claro no momento da morte.


Alguém que acompanhou os momentos finais de muitas pessoas no leito de morte observou: “Em seus derradeiros dias, parece que as pessoas frequentemente relembram sua vida como se estivessem fitando um vasto panorama. O que aparentemente se sobressai não são fatos como ter comandado uma empresa ou ter sido bem-sucedido nos negócios, mas como elas viveram, quem amaram, com quem foram gentis, quem elas magoaram. Todas as emoções mais profundas – o sentimento de terem sido fiéis às suas crenças e vivido uma existência realizada, ou o remorso doloroso de terem traído os outros – precipitam-se sobre elas à medida que se aproximam da morte”.


A consciência da morte confere um significado maior à nossa vida. Despertar para a realidade da morte nos propicia buscar o eterno e nos motiva a valorizar ao máximo cada momento.


E se não houvesse morte?

A vida prosseguiria infinitamente e é provável que se tornaria terrivelmente maçante.


A morte nos faz valorizar o presente. Afirma-se que a civilização moderna ignora ou rejeita a morte. Não é coincidência o fato de se tratar também de uma civilização caracterizada pela busca desenfreada dos desejos. Uma sociedade ou civilização, bem como o indivíduo, que tentar fugir da questão fundamental da vida e da morte entrará em decadência espiritual por se restringir à atitude de viver o momento e não conseguir enxergar além.


Fonte: Brasil Seikyo, ed. 2.260, 31 jan. 2015, p. B2, B3
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